domingo, 13 de abril de 2008

Quem dizimou a horta?

No povoado não se falava noutra coisa.
A horta da Moita Vermelha do Francisco Aurélio tinha sido arrasada por uma piara de gado na noite anterior.
O Francisco Aurélio era para os pastores uma pessoa temível porque não permitia que entrassem nas suas terras para pastorear o rebanho. Qualquer descuido e lá estava ele a fazer pagar a negligência ou a ousadia de lhe terem comido uns figos ou a bolota caída das carrascas. Os jovens pastores muitas vezes comentavam entre si tempos passados em que também ele tinha tido rebanho e por vezes também este se tresmalhava, por "descuido" e lá se ia a erva de um qualquer lameiro que estava guardado para feno pelo seu proprietário.
Pois bem, passado era passado e nada de perdoar; mesmo que o prejuízo fosse desprezível.
Desta vez a razia tinha sido grande. A horta da Moita Vermelha tinha sido dizimada. Incúria ou acto premeditado?
Não se sabe, mas que o homem tinha razão para andar esbaforido não restava dúvidas a ninguém.
Quem terá sido?
Nenhum pastor se acusava e na boca do lesado já todos eram apelidados de ladrões.
Havia concerteza um pastor com as orelhas a arder; mas daí todos comerem pela mesma bitola, era uma ofensa que muitos não estavam para suportar; vai daí, alguém que nada devendo também nada temia propôs um plano para tentar descobrir o culpado.
A estratégia era simples.
Em dia combinado, todos os rebanhos da aldeia deveriam passar junto à horta da Moita Vermelha e aí estariam testemunhas para analisarem o comportamento dos rebanhos quando estivessem nas proximidades da horta.
Todos aderiram e naturalmente também o responsável da razia cometida.
Que poderia ele fazer?
Negar-se à passagem "probatória" seria a sua incriminação; só tinha que confiar na falta de "memória" das suas ovelhas.
Era a justiça popular a funcionar em pleno, de forma empírica, sem utilização de técnicas jurídico processuais.
Era a defesa da honra individual que haveria de encontrar o culpado. Este por sua vez, também não queria ficar debaixo de qualquer dedo acusador e arriscou.
No dia marcado mais de uma dúzia de rebanhos se encaminharam compassadamente para o local do crime. Subiam o caminho da gateira e entravam nas terras da Moita Vermelha; aí o pastor ficava proibido de orientar o rebanho.
Com um intervalo de cerca de 10 minutos todos foram passando. A monotonia era grande. Nenhum rebanho parecia dar sinais de conhecer a horta, até que chegou um que mal o pastor o deixou à deriva, foi vê-las numa correria louca na sua direcção. O pastor ficou negro de raiva. Correu de imediato para as controlar não fossem elas acabar com o que restava.
Ingénuas, não sabiam que estavam a ser vigiadas e o seu comportamento estava a incriminar o dono. Passaram os restantes e mais nenhum rebanho se apercebeu que a horta estava próxima.
Não sei quanto teve que pagar o coitado; mas aos valores da época terá sido uma fortuna.
Também não sei se terá sido um descuido ou uma qualquer vingança; o que é certo é que mais uma vez o Francisco Aurélio, aproveitando a defesa da honra dos outros pastores, conseguiu ver-se ressarcido do prejuízo que tinha sofrido.
Claro que se o Francisco Aurélio tivesse ido consultar o Gomes Canotilho, o Manuel Vilhena ou qualquer outro dos meus pares com escritório em Pinhel teria pago a consulta e teria ficado com o prejuízo, porque em juízo o caso seria de difícil prova.
Recordo alguns dos pastores da época:
- Manuel do Joaquim Jerónimo, António Sebastião, Vito do José Amaral, Manuel do José Joaquim, Luís do José Jaime, Manuel Babado irmão do António João, José Monteiro da Quinta da Sobreira, Joaquim do Manuel Pereira da Quinta da Sarça, António Rebelo do Manuel Rebelo e outros que por ora não me vêm à memória.
Afinal este episódio ocorreu à cerca de 45 anos.

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