sexta-feira, 18 de abril de 2008

O Lamp(i)ão

Há três ou quatro décadas a aldeia regurgitava de gente e obviamente a terra, qual manta de farrapos, continuava retalhada em pequenas belgas ou hortas. Normalmente só podiam ser amanhadas à força de trabalho braçal e por isso, havia na aldeia alguns elementos que eram chamados à jorna. Eram os jornaleiros. Era um trabalho pesado e de sol a sol, mas para alguns lares, apesar de mal pago , era uma benesse para equilibrar as parcas finanças do clã familiar. Além disso havia uma vertente para o trabalhador e que era substancialmente positivo para que este aceitasse este trabalho. É que nestes dias a “patroa” tratava sempre com carinho especial o trabalhador com o rancho melhorado e o barrico encontrava-se sempre à mão de semear…
Feito este pequeno enquadramento, vamos então à história!...
Ora, o meu vizinho, uma estampa de homem , que tinha tanto de corpulência como de simplicidade, com voz grossa e pachorrenta, regressava a casa já noite cerrada. Após uma ceia bem regada e já com um grãozinho na asa, antes de entrar em casa, lembrou-se num repente de ir à corte ver os seus animais, pois nesse dia ainda não lhes tinha posto a vista em cima. Chegado à porta da corte, não é que por diabruras do demo, o maldito cravelho da porta não se encontrava no sitio do costume. Há coisas do diabo!...pensou.. Ele apalpava o batente mais a cima, mais abaixo e nada… . A paciência começou a esgotar-se, a voz misturada de impropérios começou a alterar-se e de repente não esteve com meias medidas: Joelhada na porta e pimba, foi tudo dentro. A porta escancarou-se e o dono projectado pelo desequilíbrio instável caiu desamparado no meio da corte. Perante tamanho assalto as vacas assustaram-se e contorciam-se no exíguo espaço da corte tentando ao repelões soltar-se das prisões da manjedoura. A burra, perante tamanha invasão não esteve com meias medidas e começa a disparar valentes coices, que até faziam fumo!...
Com este turbilhão montado e perante tamanho caos, o bom do vizinho não teve outro remédio se não chamar por socorro.
- Oh mulher!... Vem cá depressa e trás o lampião, que a burra deu dois coices e não sei se foi em mim se foi na parede!...
Com tal burburinho, acode rápido a mulher e com a luz mortiça que emanava do velho e sujo lampião a petróleo, deparou com o marido todo encolhido junto à manjedoura da burra, mais quietinho, que folhas de árvore em tarde de acalmia.
Solícita a mulher, ia procurar o que se tinha passado, mas logo o homem ataca:
- Oh mulher de um raio, tira-me daqui, mas apaga-me essa luz forte do lampião, porque para além de me cegares com a luz, se a burra me reconhece, amanhã malha-me com as costelas no chão!...

Autor - Joaquim Amaral

1 comentário:

Jose Gil disse...

Este Blog é de todos os amigos, o vosso contributo para o tornar mais agradavel será sempre bem vindo e terei muito gosto em publicar os vossos contributos para poderem ser lidos e recordados por todos.

O gãozinho na asa é sempre um estado que pode dar umas belas histórias, como foi o caso...

Para o Joaquim Amaral um grande abraço