sábado, 29 de março de 2008

Eles andavam próximo

A labuta na arranca das batatas tinha sido intensa.
Final da tarde, com o sol a aproximar-se do zénite, o Joaquim Jerónimo, com autoridade de pai, ordena-lhe que se apresse e vá levar as vacas ao lameiro da Galafura. Na olga das Poldras os outros continuavam a sua faina e lá cabia ao fedelho a obrigação de cumprir a ordem que lhe tinha sido dada.
Depois de atravessar a ribeira, vazia de águas, em direcção ao Carvalhal, o patarreco cruzou-se com o Paulo e entabulando conversa, este diz-lhe:
- Eu daqui a pouco também vou para cima e também vou levar as vacas à Galafura. Se fores antes, esperas por mim e voltamos os dois.
Que alivio!!!
Mesmo que anoiteça, não há problema, sempre me escudarei na companhia de alguém que já tem estatuto de crescido, lá pensou o garoto.
Num ápice, em velocidade de cruzeiro, picarrão acima, descalço mas bem calejado, depressa chega à aldeia.
Vacas na frente e para traz ficavam as últimas casas do povoado. Quando o fedelho e o gado bovino se locomoviam em direcção aos Barrocos Fuzinos, já o sol se escondia para lá de Trancoso.
Não era difícil tapar o portal. Umas pedras bem escolhidas encimadas por um bardo de silvas, estava cumprida a tarefa. Elas iriam pernoitar no lameiro e ao garoto restava-lhe esperar pelo Paulo.
Promessas são para cumprir e não havia porque duvidar, mas os minutos passavam, as horas corriam, a noite galopava e do Paulo, nem sinal.
Correram horas e estava confirmado. Paulo nem vê-lo.
Esqueceu-se que o Paulo tinha à sua disposição três lameiros por onde escolher para guardar as vacas e o malandro, quiçá, talvez também já com medo da noite, resolveu guardar as vacas no primeiro e, ala que se faz tarde, regressa ao povoado, esquecendo o compromisso assumido ainda nas Poldras.
O luar criava as sombras e o pensamento corria veloz. Que fazer?
Ficar toda a noite? Meter pés ao caminho?
Que porca de vida esta! Logo me havia de ter calhado a mim.
Terá rogado umas pragas ao amigo que o traiu? Não me custa a acreditar que o tivesse feito. Afinal um fedelho de cinco anos só tinha que confiar e daí a razão porque se manteve aquelas horas de sentinela à espera do amigo que nunca chegou.
Havia que decidir, mas o medo obrigou-o a protelar a decisão até próximo da meia noite.
Num acto de raiva e desespero lá colocou os pés ao caminho.
Todas as sombras eram fantasmas que o iriam devorar mas, mais um passo, mais uma corrida e os fantasmas iam-se desfazendo; prosseguindo, o fedelho, velozmente, o caminho de regresso; até que já próximo do Cavaleiro, vindo dos lados da Sarça, ouviu o sibilar aterrador de uns uivos que se prolongaram por longos segundos nos seus tímpanos já aterrorizados.
O couro cabeludo ficou tenso e o coração gelado.
Esmagado pelo pensamento de que a qualquer momento iria sentir o rangido dos seus dentes e poderia estar perto o fim da sua curta vida.
Nada havia a fazer senão correr, correr muito e com sorte havia de chegar ao campo da bola; até porque, Vale de Barreiros abaixo, sempre haveria de correr mais do que eles, pensava ele, e o Farrusco haveria de vir em sua defesa.
Já exausto, logo que passou o cemitério, já em total segurança, caminha agora suavemente, até que contorna a igreja.
Ao fundo, em frente à Casa de Residência e na sua direcção, movia-se uma luz de candeeiro a petróleo. Fosse quem fosse só podiam ser pessoas de bem e serenamente continuou ao seu encontro.
A Primavera abraçou o garoto e, chorando, exclamou:
-Oh meu filho que te aconteceu?
- Deixei-me dormir junto ao lameiro, respondeu o fedelho, mentindo descaradamente.
- Não tiveste medo meu filho?
Num acto de orgulho incontido respondeu:
- Na senhora.
Mas sabe Deus que susto apanhou.
O Joaquim Jerónimo, silencioso, de candeeiro na mão, pega-lhe na mão e os três regressaram a casa.
Nessa noite, não sei se sonhou com eles, mas terá sido a primeira vez na sua vida que sentiu a proximidade "dos senhores da noite" naquela época e naquelas paragens...



Todos te estamos reconhecidos

Numa tarde fria reuniam-se os associados da Associação Desportiva e Cultural "Os Amigos do Carvalhal".
Na sala principal realiza-se a Assembleia; ao lado, as sempre devotadas cozinheiras, com respeito pelo andamento dos trabalhos, zelam para que o borrego pascal a todos satisfaça no jantar que se seguirá e prolongará pela noite dentro.
Tudo correu serenamente. Os associados questionam aqui e ali, mas enaltecem o trabalho desenvolvido pela direcção.
Era dia de eleger novos corpos gerentes. Chegou o momento e alguém apresentou uma lista candidata na qual o ainda Presidente da Direcção aparecia, agora, como candidato a Secretário na Mesa da Assembleia Geral.
Os novos corpos sociais foram eleitos e ninguém discordou dos nomes apresentados. Votos de bom trabalho para o mandato.
O Chico Zé e a sua equipa concerteza que darão a melhor continuidade ao trabalho já desenvolvido.
Mas não devemos esquecer quem, com humildade, ao longo destes anos deu o seu melhor à frente da Associação. O resultado do seu esforço é notório. O orgulho do Carvalhal assenta nos resultados concretizados deste homem e dos que lhe estiveram próximo. Discreto, por vezes solitário, mas com um coração enorme e uma incomensurável vontade de divulgar o seu berço e as suas tradições - O Carvalhal.
O Vasco Pereira, para muitos o "senhor Vasco", aí continua e estou certo que a nova direcção não vai desperdiçar o seu contributo, a sua vontade e o seu saber.
Somos unidos e unidos vamos continuar na senda da valorização da nossa aldeia.
É bonito! Foram cerca de 50 convivas no jantar.
Nunca é demais enaltecer a disponibilidade de alguns associados na lide da preparação, confecção e serviço de jantar, Joaquim Ribeiro e família, a Conceição, que desta vez não lhe ouvi contar nenhuma picante, o nosso cabo Zé João, já reformado mas destacado para a matança do borrego, a Lena Paulo e tantos outros.
Para o ano vamos ser mais.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Tudo tem um princípio



A meia encosta, circundado por leves elevações estende-se um pequeno aglomerado urbano. O casario, mistura de símbolos que caracterizam épocas mais ou menos distantes, pouco ou nada difere dos restantes aglomerados que caracterizam a região. A ruína convive com o conforto; o predominante granito cinzento contrasta com cores vivas que, em tempos, quiseram significar libertação da pobreza. O silêncio do luar, em pleno Estio, só é cortado por sons monótonos de uma ou outra ave nocturna. O ruído invernoso das águas que já foram a cântaros, enchem ribeiros e valas que embocam na Ribeira das Cabras que as acolhe, com ternura ou revolta consoante o ribombar dos céus é menos ou mais intenso ou o São Pedro se esqueceu de fechar o autoclismo.

Foi berço de palha para muitos. Ali o diabo amassou o seu pão. Dali se partiu sem destino certo.

Ali muitos gostam de regressar; para sempre, por algum tempo, pouco importa; mas o que importa é que o diabo fugiu e o berço já não é de palha.

A nossa memória gosta de recordar o bom e o mau que nos proporcionou.

Vamos homenagear quem nos viu nascer e crescer. As gentes, os lugares, as histórias serão a nossa inspiração.