quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Deita-lhe o fogo...

A luz ténue da candeia caminhava a passos largos para o perecimento.
A ponta da torcida que se erguia para o exterior do bico da candeia sustentou a última chama que rapidamente se transformou num tição escuro, ficando a restar a luminosidade intermitente das chamas da lareira para dar à cozinha uma tonalidade sombreada reflectida na face pálida dos seus ocupantes.
Ela apagou a candeia e, agilmente, procurou recargá-la com petróleo, antes que as chamas da lareira desaparecessem e a cozinha se viesse a transformar numa câmara de revelação.
Saiu disparado o petróleo pelo largo gargalo do garrafão e depressa a candeia transbordou, alojando-se uma boa parte do cheiroso líquido no seu avental.
- Oh meu Deus!!!!
- E agora como tiro este cheiro do avental?
Perguntou ela, muito atrapalhada, aos presentes; esperando que algum deles lhe desse a solução milagrosa de se ver livre daquele cheiro intenso que lhe subia às narinas, vindo do avental que continuava amarrado à cintura.
- Olha!!!.
- Deita-lhe o fogo, que isso desaparece tudo.
Foram, em murmurio, as palavras pausadas, serenas e convincentes, proferidas pelo sensato marido, que sendo homem de poucas falas, mas de pensamento rectilíneo, não podia estar a gozar com a situação embaraçosa em que se encontrava ela e, vai daí, num ápice, a Efigénia pega num fosforo aceso e aproxima-o do avental, dando resposta ao sábio conselho do marido que era pessoa de não dizer disparate nem dar um mau conselho.
Rapidamente as chamas se encarregaram de fazer desaparecer o petróleo que se tinha entranhado no avental e, como não era altura de fazer selecção, com o petróleo a ser dizimado, era devorado, também, o avental.
Ela aflita gritou por ajuda, mas os espectadores, que tinham pago o seu bilhete, mantiveram-se distantes, batendo na barriga e contorcendo-se com um riso desbravado que lhes inundava o semblante.
- Acudam-me, socorro...
Gritou desesperada a Efigénia.
Os filhos e o marido continuavam a rir às gargalhadas, até que ela, num gesto desesperado de raiva e aflição, lá teve a brilhante ideia de soltar o avental da cintura e de o arremessar para a fogueira da lareira, quando uma boa parte da preciosa peça de vestuário já se encontrava consumida .
Aqui fica o meu respeito e admiração por conselho tão brilhante, que o bom do António João deu à sua estimada esposa.
De uma penada, ela matou dois coelhos.
Livrou-se do cheiro estonteante do petróleo e de um avental já fora de moda.
Mas o que a Efigénia aprendeu naquela noite é que nem sempre o seu maridinho lhe dava bons e proveitosos ensinamentos; por sua vez, o António João terá pensado:
- Tenho uma mulher que vale ouro, faz tudo o que eu lhe mando...

Sem comentários: