sábado, 27 de dezembro de 2008

Simplesmente... Maria.

A notícia voou veloz de porta em porta, de casa em casa e rapidamente todo o povoado se interrogava onde poderia estar.
Lanternas rasgaram a noite e os chamamentos ecoaram em todas as direcções, mas dela, nem um sinal.
Os dias sucediam-se, as noites tornavam-se cada vez mais longas e a esperança ia dando lugar à tristeza e ao desalento colectivo.
No povoado todos tinham opinião, ninguém estava indiferente ao sucedido.
- Isso não se fazia!
Desaparecer sem deixar rasto e sem mensagem de última vontade era um acto de cobardia, diziam alguns.
- Coitada, não lhe restava alternativa, opinavam outros.
Ao fim de alguns dias era já ponto assente que uma tragédia tinha acontecido e apontava-se já o causador de tamanha desgraça.
Só o grasnar dos corvos e o rodopio das águias nos céus iriam indicar onde os lobos se tinham banqueteado.
Era já lusco fusco, o luar ainda adormecido, os rouxinóis já se tinham acoitado, os pardais fechavam as pálpebras nos galhos dos freixos das regadas, a noitibó dava sinais da sua presença nas vinhas do cabeço, quando o Joaquim Jerónimo, depois de um dia de intensa labuta resolve ir prender a burra na regada ali próxima da casa da Zéfinha. Quando se preparava para travar a burra ouve uns murmúrios. A besta apruma as orelhas e dá dois sopros em sinal de alerta.
- Quem está aí?
Gritou o Joaquim Jerónimo, meio confuso com os sinais que lhe chegavam ao ouvido.
- Ti Joaquim, ti Joaquim sou eu, ouviu-se murmurar por detrás da parede da regada de baixo.
Correu o Joaquim Jerónimo ao encontro da infeliz, que desfalecida, lhe suplicou:
- Ti Joaquim, tenho fome, muita fome, preciso de ajuda, mas não diga a ninguém que estou aqui.
- Oh rapariga!
Pegou nela e rapidamente a levou para casa.
Tinham corrido oito dias e ela, coitada, vencida pela fome, teve que voltar, mais tarde, a um berço que não era dourado.
Foi o primeiro ensaio da fuga a uma vida ingrata, pois, decorrido algum tempo, imigrou para terras de sua majestade onde constituiu família e onde as suas lembranças de infância e juventude no Carvalhal não serão as melhores, mas onde o perdão não deixará de fazer parte do seu dicionário.

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