sábado, 6 de dezembro de 2008

A rega das batatas


Finais de Junho. Quatro da tarde. O sol bem alto, ainda no horizonte, desliza com suavidade em direcção ao zénite. O dia comporta ainda mais cinco horas de sol e este tende agora em diminuir o bafo abrasador que tinha atingido o seu máximo cerca de uma hora antes.
Novos e velhos deixam as sombras da casa da tia Rita e cada um tem um destino traçado. Os batatais que se estendem ao longo da ribeira aguardam angustiados salvação do tórrido calor que os fustigou nas últimas horas.
Albarda em cima e bem arreada, sem esquecer a trunfa e de um pinote monta-se na burra que com um espirro mais profundo procura afugentar as moscas que teimam em se passear nas suas narinas.
Os sachos estão na olga, o motor bem guardado à sombra dos amieiros, aguarda o impulso da manivela.
Depois de uns bons vinte minutos, ele desce da burra, coloca-a à nora, venda-lhe os olhos e os copos, em cadencia, despejam água no tabuleiro, fluindo depois pela canal até ao cimo das leiras.
As mangueiras, quais gibóias que se empertigam, mostram que o motor já chupa abundantemente o precioso liquido que rapidamente se vai juntar ao recolhido pelo passo sincronizado da burra ligada à nora pelo cambão.
Na rigueira, corre agora água com um grande caudal até às leiras mais carentes, onde a rama das batatas já dá sinais de querer murchar.
Numa leira, ela espreita que o rego encha para de seguida desviar a água para o seguinte; na outra, o irmão faz os mesmos gestos e, com o tempo a passar, vão-se contando as leiras já regadas.
Por baixo do caminho, o ti Manuel Vicente e a já muito curvada ti Anunciação desaparecem por entre o feijão de estaca que se ergue em direcção ao céu. Do outro lado da ribeira ouvem-se os berros do ti António Justino que já enervado grita " arre burra, arre burra... maldita burra, vou aí e parto-te os cornos, senão queres andar...", mas esta continua especada e com pouca vontade de circular. Mais acima, ouvem-se os gritos da ti Carlota que há instantes tinha passado por cima da olga montada na burra e com a cabrita sempre no seu encalço. Em frente a tia Arminda conduz a água, leira após leira e a rama das batatas vai mudando para um verde escuro mais intenso em sinal de agradecimento, enquanto que o ti Manuel Amaral vai descarregando algumas máquinas de remédio, na outra olga, porque o maldito do escaravelho se agarra, em cachos, na rama da batata e a devora num ver se te avias.
Eles aí continuaram durante mais umas horas de enche e passa a outro, enche e vira.
A russa nunca se negou e o motor, de quando em vez, lá ia ele alimentá-lo de petróleo para continuar a chupar com sofreguidão a água que se espraiava no leito da ribeira, como de uma albufeira se tratasse.
O sol começava a esconder-se por trás da cozinha do azinhal e, ele diz-lhe:
- Puta que pariu esta merda, por hoje já chega, vamos embora.
Chõ aí! Chô... burra e a russa, já suada, estanca imediatamente; ao motor estrangula-se o ar e ele queda-se.
-Rápido Maria, arranca aí umas terrábias, que eu vou cortar uns molhos de canas, ordenava o António.
Passados mais alguns minutos, já a burra tinha em cima dois molhos de canas encimados por um molho de terrábias.
Corria uma ligeira brisa e a noite aproximava-se, quando já iam junto ao pradinho em direcção a casa e se cruzam com o ti António Samuel que atrás das vacas se dirige em direcção à ribeira.
Ele era assim, os seus tempos de trabalho não se encaixavam no ritual normal dos restantes aldeões. Ele vinha quando os outros iam, ele ia quando os outros vinham; vá-se lá saber porquê.

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