sexta-feira, 6 de junho de 2008

Se querem coelhos deixem a merda das fotografias





O Zé Gonçalves tinha total confiança nele. Não era preciso nenhuma espingarda porque com o seu Xólé apanhava mais coelhos do que muitos caçadores, principalmente aqueles que vinham do Porto em belos carros com uma catrelva de cães à sua volta, mas não conheciam nada do terreno.
Ele, Zé João, conhecia a palmo toda a folha do Carvalhal, conhecia todas as tocas, todos os silvados que poderiam dar guarida aos coelhos que naquela época ainda fervilhavam na região.
Aceitámos o desafio.
Acreditámos na experiência do Zé e na finura do seu companheiro Xólé e aí fomos nós, Traz dos Chães acima em direcção ao Cano.
O Zé sabia que ali pelo Cano abaixo não nos faltariam coelhos. Era preciso estar atento aos sinais do Xólé e a qualquer momento poderíamos caçar o primeiro.
O bardamerda do citadino teimava, de quando em vez, disparar uns diafragmas da máquina fotográfica para mais tarde recordar e, estava o Amaral em pose em cima de uma parede à espera de ouvir o clix que iria eternizar o momento, quando o Zé esbaforido gritou:
-Amaral, aí vai é só apanhar...
Pois é! quem posa para a fotografia não está de atalaia e o maganão teve toda a sorte do mundo; passou mesmo aos pés do Amaral e este, quando reagiu, já ele se escapulia para o outro lado da parede.
Bem se esticou o Xolé, mas o artista estava a jogar em casa; com o mato denso, rapidamente desapareceu, para nunca mais ser visto. Terá porventura até apanhado um susto, com subida de tensão, mas deu graças ao seu Deus por os humanos gostarem de posar para a eternidade.
O Zé depois do episódio e, por ter percebido que os batedores que trazia consigo não percebiam nada de caça com cão e varapau, só lhes disse:
- Hã, hã! Se querem coelhos deixem a merda das fotografias...
Descemos o Val de Vela, passámos entre a Gorgolicha e o Ranhadoiro até chegar aos Moinhos; mas os coelhos, talvez avisados pelo seu irmão, que em boa hora se tinha escapulido, não se deixaram ver.
Restou-nos apreciar as águas cristalinas que corriam junto aos moinhos e que se dirigiam, sem grande tumulto, em direcção ao Côa para mais tarde se integrarem no Douro.
Afinal restou-nos da caçada umas fotos que hoje podemos recordar. Se tivéssemos apanhado o coelho a sua digestão já estava feita há muitos anos, mas não teriam ficado para a posteridade alguns momentos de uma caçada sem troféus.
Se a neve nos era favorável, o mato era para eles mais que um escudo protector. Era a tábua de salvação.
O Xolé tem hoje honras de fotografia exibida na blogosfera. Não sei se o dito era grande caçador; mas o animal, conjuntamente com o seu dono, são já figuras de referência de boas recordações do Carvalhal.

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