domingo, 22 de junho de 2008

A aflição torna-nos mestres

O Inverno corria rigoroso. O céu cinzento escuro há vários dias que teimava em verter água copiosamente e as ribeiras iam engrossando os seus caudais.
O António naquele dia decidiu que o pastoreio se fizesse por algumas horas no Vale do Pombo.
Desde manhã que as mantas, bem atadas ao pescoço, nos protegiam daquela chuva que teimava em não parar.
Ao abrigo de um barroco tínhamos conseguido fazer uma fogueira para assar dois nacos de focinheira que, conjuntamente com dois bons tranqueiros de pão centeio e uma chouriça tinham atestado o nosso estômago, ganhando assim novas forças e alento para continuar a aguentar a intempérie que teimava em não parar.
Seriam para aí duas da tarde e, diz o António:
- É melhor irmos embora, antes que cubra a ponte da Ribeira de Pinzio...
Ordens são para cumprir e toca de atalhar o gado que se espraiava para lá do pinhal do Matias, entre barrocos e carrascos, desbastando a erva que tinha crescido na encosta junto à ribeira das cabras.
Chegados à ponte da Ribeira de Pinzio, depressa o rebanho se enfileirou, com as cabras na frente, para passarem a ponte, prestes a ser galgada pelas águas.
Passaram as primeiras e estas, olhando para o seu lado direito, depressa se aperceberam que a olga estava cheia de ferrã, com grande nabal, qual manjar irresistível e vai daí, uma após outra, toca de saltarem a parede e atacarem o fruto proibido.
O António, desesperado, não tinha alternativa; tinha que atravessar, quanto antes, o pontão e ir no seu encalço para não provocarem estrago maior.
O pontão, estreito, mal dava para passar uma ovelha de cada vez, mas insistiu em passar quando várias estavam sobre ele e entre elas o carneiro que, ao sentir-se pressionado para ceder a passagem, não foi de modas e empurrou o António que caiu desamparado e de costas para jusante da ponte.
A corrente era forte, mas a manta totalmente encharcada e o bornal fazem de bóia durante alguns longos segundos. O António, em total aflição, dando aos braços e às pernas de forma viril, mas descontrolada, lá se conseguiu agarrar a uns amieiros junto à margem que foram a sua tábua de salvação.
Foi um momento de grande aflição.
A sorte aliou-se a uma enorme vontade de vencer e, para quem nem sequer sabia nadar, não deixou de ser um feito histórico na sua vida que estou certo ainda hoje ao recordá-lo lhe deve dar uma forte subida na pulsação.




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