quarta-feira, 30 de julho de 2008

A vindima


Se há actividade agrícola em que se mantém a tradição de entreajuda entre os habitantes da aldeia, a vindima é um exemplo que ilustra na perfeição essa atitude solidária.
Sem me querer alongar em exaustivas considerações, vêm-me no entanto à memória, que quando éramos garotos, uma vez que o nosso rendimento a vindimar era baixo e corríamos o risco de nos cortarmos, pois a falta de jeito era notória, mandavam-nos para dentro daquelas tinas enormes, que eram transportadas de vinha em vinha, pela valente junta de vacas do proprietário, a pisar os cachos que eram lançados pelos rapazes verguios que os transportavam aos ombros. Quando se aproximavam da tina e sem qualquer aviso para o pequeno pisador, aliviavam bruscamente a carga para cima de nós. Claro está, que estávamos constantemente a levar com as uvas na tola, provocando a nossa ira e a satisfação “maquiavélica “ dos mais velhos.
Hoje é tudo mais mecanizado. Os lagares de varas e de prensa são meras peças de museu. O transporte é rápido e as lagaradas vinícolas são meras recordações. O poder consumista da sociedade obriga a que tudo seja efectuado com tecnologia e rapidez. Não me admira nada que num futuro muito próximo, além do corte automático das uvas, quando se chegar ao final do arrêto, já o vinho esteja fermentado, embalado, devidamente rotulado e pronto a ser consumido.
Por agora, na nossa aldeia, só ainda estamos nos tractores com reboque e caixa, os respectivos latões alugados ao dia pela cooperativa vinícola e o corte, ainda continua a ser manual!...
O dia da vindima continua a ser portanto, o pretexto ideal para se saberem todas as tricas de momento, onde tudo se aceita e os segredos mais intimistas e os boatos mais intrigantes são dados a conhecer, obrigando-nos, muitos deles a exclamações de espanto e surpresa, tal é o tamanho da revelação efectuada. Quando por mero acaso, todo o rancho está mais compenetrado na sua missão de “soltar os presos, “é ver o nosso amigo Zé João, sempre pronto a dar uma palavra de incentivo e na maioria das vezes logo a seguir lá vem uma cantiga brejeira do Quim Barreiros ou de outro artista similar da nossa praça.Com aquela voz linda que possui, ele começa com “eu quero mamar nas tetas da cabritinha,”continua com “mexe- mexe, que eu gosto,” depois segue com “o teu corpo dá-me choque, dá-me choque,” e finaliza com “encosta-te a mim,”do Jorge Palma. É obra ter assim um reportório!.... É o suficiente para o pessoal animar de novo e relembrar aos mais sisudos que o trabalho pode ser feito com alegria.
Relacionado ainda com esta actividade, relembro que na segunda metade da década de setenta, houve um ciclo migratório sazonal para França, que concedeu a oportunidade a alguns elementos desempregados na altura de rumarem até à zona de Chablis para ali executarem a vindima do grande latifundiário Moreau, que possuía enormes vinhedos onde se produz o afamado champagne francês. Por ironia do destino, o agora meu sogro Zé Ferreira, também fazia parte da comitiva e como todos os que lidam com ele sabem que é uma personagem que não tem papas na língua. Homem de chalaça fácil e sempre com resposta pronta, admirava-se das uvas terem os bagos tão pequenos e por isso demorava uma eternidade a encher o balde. Certo dia, em pleno cascoutte (côdea) virou-se para o patrão e disparou no seu melhor “franciu” :
-Eh, Moreau, ici em França as “ raisins” são muito “petites”. Na minha “village”, cinco “raisins”,um “pagné”pleno. Ante o olhar atónito e perplexo do patrão com esta desenvoltura linguística do “ami”José, este fez sinal com o polegar direito que, sim senhor, tinha compreendido a mensagem.
Ainda hoje, quando o ritmo aperta, se está sempre a lembrar aos homens dos cestos para serem mais lestos, pois na nossa terra cinco “raisins” é um “pagné” pleno!...


Autor: Joaquim Amaral

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