terça-feira, 15 de setembro de 2009

O chá milagroso

Inicio da década de 60, quando ainda não havia latões, muito menos tractores, os "cachos" eram transportados para os muitos lagares que havia na época em carros de bois; aí se esmagavam, aí se fazia o vinho mais ou menos apaladado que, alguns dias depois, se guardava nos tonéis.
O petiz devia ter os seus cinco anitos e já tinha a missão de pisar as uvas dentro da tina.
No início da colheita era vê-lo acarrrapitar-se tina acima, para logo saltar para dentro à espera que viessem os primeiros cestos a descarregar, caindo-lhe as uvas abruptamente na carola e assim, pouco tempo depois, era ver o seu cabelo bem lavadinho com melaço.
Olhava para cima e só via o céu. Os cestos lá iam descarregando e a tina enchendo vagarosamente.
Calções arregaçados, continuava a marcar passo, pisando nas uvas até que pouco a pouco os cachos deixavam ver um líquido cor de púrpura que o pequenote bem conhecia. Era tenro de idade mas já tinha queda para apreciar um bom mosto e, tanto assim, que munido de palhinha lá ia sorvendo o líquido colocando a língua como escoador de graínhas que lhe pudessem vir a estrangular o canal ainda estreito.
O primeiro dia passou, corre o segundo, logo se transpõe o terceiro, o quarto já ia avançado e o pequerrucho já sentia fortes dores na barriga.
Empertigado, mas nunca deixando de dar uso à palhinha pois, se não havia descargas intestinais regulares, a culpa não seria dele mas dos intestinos que teimavam em não vazar.
Já lá ia o quinto dia e cada vez mais inchado, dores intensas e a vontade de mergulhar a palhinha tinha desaparecido.
O pai, até aí mais preocupado em saber quantos almudes rendia a colheita anual, notou então que a barriga do russito mais parecia um bucho recheado prestes a rebentar.
O mosto fervia-lhe nas entranhas, os gazes acumulavam-se sem possibilidade de escape.
O garoto gritava de dores, já a populaça se alarmava com um possível desfecho trágico, tal era a dimensão da bola que o fedelho teimava em não conseguir esvaziar, até que uma senhora se vira para o pai e lhe diz:
- Eu tenho um chá que lhe faria muito bem; não sei é se ele o vai querer tomar.
Agonizante o pequerrucho, desorientado o progenitor, naturalmente que nem questionaram a natureza do chá.
A dita senhora logo tratou de ferver o produto embrulhado num pano tipo cueiro e alguns minutos depois aí estava ela de regresso ao curral da ti Guilhermina Viúva onde se encontravam o desalentado pai, o sofredor filho e parte do rancho já regressado da labuta do dia.
- Toma menino, tens que conseguir, põe muito açúcar para o conseguires beber.
À primeira golada o garoto deu sinais de grande sofrimento. Aliado às fortes dores de barriga, acrescia agora, um chá intragável, tal era o seu sabor fedorento.
- Tens que conseguir; mete mais açúcar, mete mais açúcar, repetia a senhora.
Que remédio, pensava ele.
Não havia alternativa, mais umas carradas de açúcar e lá conseguiu o petiz meter o chá goelas abaixo.
Ainda mal tinha chegado o líquido ao intestino e logo se deu a primeira reacção.
O Pontinha, mais conhecido pelo russo do António Albino, só teve tempo de virar o traseiro contra a parede, calções abaixo, que cuecas não havia e, mais parecendo uma lambreta acelerada, lá pintou na parede da casa a primeira pintura grafiti.
Preparava-se para erguer o traseiro e logo uma segunda descarga, atirou ainda mais longe, obrigando todos a fugir, os que em redor antes já lhe agoiravam trágico fim, mas de barriga cheia.
Mais uns sopros e estrondos, tipo rater de motor a dois tempos, continuava o Pontinha a pintar a parede da casa Ti Guilhermina Viúva em tons de amarelo ocre.
Não se sabe quantas vezes o fedelho teve que descer e levantar os calções durante a meia hora seguinte; mas, passada a tempestade, surge a bonança; o balão instalado na barriga do Pontinha tinha esvaziado e, o pequenote, agora já bem disposto e a pensar quando poderia saltar novamente para dentro da tina, já que o mosto o esperava.
Mas ti Natália, afinal de que era feito este chá tão bom?
Perguntaram pai e filho já aliviados.
- De merda de galinha, respondeu ela.
Ainda hoje o Pontinha não sabe qual teria sido a sua reacção se tivesse sabido antes qual era a substância activa incorporada no medicamento; teria bebido o chá ou teria preferido morrer; a verdade é que tomou o chá e cerca 50 anos depois aí continua para poder contar a sua história e beber não o mosto das tinas, mas o vinho dos tonéis.

Nota da redacção
Ponte das Poldras não conseguiu apurar se na banca de chás montada pelos mordomos da festa havia esse milagroso chá, mas aqui fica uma informação para a classe médica e, ao amigo Pontinha um conselho:
- Leva a receita a Vilar de Perdizes ( encontro de medicinais alternativas) e talvez te saia o euromilhões.

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