sexta-feira, 2 de maio de 2008

Não faz mal, eu é que escorreguei.

A casa do Constantino, sob a supervisão da sua, sempre amável, esposa Gaby era a pensão de três meliantes oriundos do Carvalhal e Atalaia e de uma garotinha tímida do Salgueiral.
O Zé Vicente, colega de curso e o Manel Simões, que tinha optado pelo Comercial, ainda estavam à mesa e já, como habitualmente, eu me escapulia, de pasta de baixo do braço em direcção à rua.
Sem ser novidade, era um dia diferente. Da parte da manhã já tínhamos feito as nossas tropelias às raparigas que tiveram que suportar as nossas investidas de morteiros com balas brancas.
Transpus as escadas da varanda de casa e os pés começaram a mover-se sobre o "algodão" que rangia à pressão das botas.
Entro na rua e, vinda do lado direito, aproxima-se com a leveza possível, uma senhora.
Pé,ante pé, aproxima-se.
- Bom dia Gil, deixa-me segurar a ti e ajuda-me! Isto hoje está horrível.
Dou-lhe a minha mão e ela, sem rodeios, dá-me o seu braço.
- Naquele momento senti-me importante. Ela, fragilizada, dependia de mim.
Não que tivesse alguma vingança a fazer; até porque era a minha santa protectora nas investidas pelas notas negativas que o mestre de oficinas nos finais de trimestre sempre se preparava para entrar; mas porque todos a olhávamos como uma dama que não sendo de ferro, nos impunha todo o respeito que é possível e desejável numa escola.
O frio era intenso e em muitos locais da rua o pavimento já estava vidrado, o que facilitava e, muito, alguns "batecus" mesmo para os mais precavidos.
O trajecto junto à trincheira fazia-se com as precauções possíveis e já vários colegas se iam aproximando daquele par em que o baixinho de braço dado arrastava consigo a senhora de andar frágil
Tínhamos transposto o portão da Escola do lado poente e descíamos uma ligeira inclinação em direcção ao edifício, quando de repente uma perna dela, involuntariamente, avança descontrolada e arrasta-a atrás de si. Em escassos milésimos de segundos, os nossos corpos deixam a vertical para se prostrarem no chão, servindo, a frágil senhora, de meu colchão.
Os assistentes, que eram muitos, não contiveram o riso hilariante.
Quem não gostou nada do sucedido fui eu, que além de não ter sido capaz de me mostrar como um cavalheiro em que uma dama podia confiar, aproveitei, de forma involuntária, a circunstância, para me lançar sobre ela.
A Senhora Directora da Escola, Drª Julieta Saraiva, de porte altivo, limpando a sua roupa molhada, gentilmente, diz-me:
- Não faz mal, eu é que escorreguei...

2 comentários:

Unknown disse...

Olá!
Foi com bastante surpresa e alegria que me deram a conhecer este blog.
Deixo desde já os meus parabéns ao Senhor José Gil pelo feito. Sendo eu uma descendente dessa "grande" aldeia,é com enorme satisfação que me deparo com estórias e novidade do Carvalhal.
Este episódio que aqui "relata" lembra-me algumas estórias aí passadas, pelo meu pai, Manuel Simões.
Obrigado por manter a nossa memória viva e pelos sorrisos provocados com as lembranças.
Um bem-haja e continuação de boas escritas!

Anónimo disse...

À Sofia o meu agradecimento pelo estimulo. Ao Manuel Simões um abraço.