sexta-feira, 1 de maio de 2009

Barrigada de fome.

1º de Maio anos mais tarde
Dia 29 de Abril de 74 tinha entrado ao serviço do Laboratório Nacional de Engenharia. Ainda mal sabia como se viajava de Campo de Ourique para a Av. do Brasil e já podia festejar o primeiro feriado, o 1º de Maio.
O sol erguia-se bem alto quando resolveu sair de casa à procura de uma tasquinha para matar o bicho; comer uma sandes e beber talvez um sumo ou um galão.
Transpôs a porta do prédio e dirigiu-se na direcção do jardim de Campo de Ourique; não conhecia o bairro mas a sua intuição dizia-lhe que seria naquela direcção que iria encontrar um estabelecimento de comes e bebes aberto.
Depois de ter feito a aproximação a dois ou três que se mostravam fechados começou a sentir os primeiros arrepios e a pensar no que lhe estava a acontecer. Continuou e aproximou-se do Canas, cervejaria e casa de marisco muito famosa na época e, portas trancadas. Deitou contas à vida e pensou:
- Não haverá um único café aberto nesta maldita cidade? Será que vou passar uma barrigada de fome?
Voltas e mais voltas, calcorreando ruas na zona de Campo de Ourique, Estrela, Infante Santo, Pedro Álvares Cabral e, nada.
Bem sabia que a festa do 1º de Maio se desenrolava na Alameda, mas, além de não saber em que zona da cidade ficava essa dita Alameda, também não o motivava ir juntar-se às multidões desconhecidas onde não passaria de uma formiga de todos desconhecida e porventura por muitos pisada. O jovem provinciano, acabadinho de chegar à capital, sentia-se isolado e só, nada à vontade para ir gritar slogans revolucionários.
Em casa da velhinha que lhe tinha arrendado um pequenino quarto sabia que não tinha o direito de pedir nem que fosse pão seco e por isso, depois de já muito extenuado, dirigiu-se ao jardim da estrela ao inicio da tarde e por aí esperou que a noite caísse. Ao escurecer recolheu-se ao quarto e de barriga vazia lá procurou dormitar à espera que novo dia chegasse e assim pudesse matar a fome, que foi negra.
Nos anos seguintes ainda foi uma ou duas vezes para a rua festejar o 1º de Maio no meio da multidão, mas nunca esqueceu o 1º de Maio de de 74 e talvez por isso, ainda que compreenda o grande significado da efeméride, nunca se adaptou ao convívio das multidões que sempre as considerou irracionais e instrumentalizadas. Razão porque:
-Viva o 1º de Maio, mas multidões, não obrigado.


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