terça-feira, 7 de abril de 2009

Reza!

No dia de Páscoa, nenhum pai, nenhuma mãe tinha que se preocupar em fazer levantar os filhos da cama; todos sabiam que dormir naquela madrugada tinha como resultado a sua condenação pois iria concerteza ouvir dos amigos, das amigas ou dos familiares com quem tinha conchavado aquela ordem solene- Reza!
Não sei se alguma vez cumpri tal determinação, mas muitas vezes foi-me ordenado para rezar e, quando tal acontecia, nem sempre tinha folar suficiente ou adequado para cumprir tal ordem.
Conchavar era um ritual de quaresma pelo qual, depois de solenemente firmado, tinha o seu auge de responsabilidade no dia de Páscoa em que o primeiro que encontrasse o seu parceiro compadre ou parceira comadre lhe ordenava para rezar.
Nessa noite planeava-se dormir em lugares pouco habituais para que no outro dia de madrugada o parceiro não o apanhasse na cama e lhe ordenasse para rezar.
Condenado que fosse a rezar competia-lhe dar o folar ao parceiro ou parceira, folar esse que ia desde uns rebuçados, umas amêndoas ou prenda mais romântica se o parceiro ou parceira já tocasse os neurónios da paixão.
Havia também uns parceiros e parceiras que estavam sempre condenados a rezar; eram os familiares mais velhos que não se importavam de alimentar os sonhos dos miúdos, que pé ante pé, correndo de esquina para esquina, como de militar em combate se tratasse até chegar a casa dos tios ou avós, que lá simulavam uma derrota no momento em que aqueles lhe gritavam, reza!
Aqui fica a minha gratidão à parceira mártir da família que todos os anos estava condenada a rezar. Era a tia Arminda que conchavava comigo e com os meus irmãos para no dia de Páscoa nos prendar com ovos cozidos coloridos.
Era para nós uma enorme alegria ter nas mãos os ovos coloridos da tia Arminda que antes de aconchegarem o nosso estômago embelezavam as nossas emoções de conquistadores de troféus.
Assim começava o dia de Páscoa com esta guerra de comadres e compadres ainda o sol não era nascido.
Era um dia lindo para as crianças que, de pé descalço e ainda pela madrugada, velozmente corriam de cima abaixo a aldeia com um único intuito, gritar a todos com quem tinham conchavado para rezarem.
Lá pelas 9, 10 horas faziam o levantamento do deve e haver contando os rebuçados, amêndoas, laranjas e ovos recebidos.

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